quarta-feira, 29 de junho de 2011

Brasília de interior*


Dia desses, cozinhando, me deparei com minha frigideira preferida sem cabo. Na hora me veio à lembrança aquele velho que passava pela quadra empurrando um carrinho (e anos depois dirigindo uma Kombi velha) e gritando: “Conserta panela, amola faca, facão, alicate!”

Por onde anda esse cara? Há anos não ouço esse grito. Nem o tio do quebra-queixo - aquela iguaria de coco - que passava balançando o sininho e, em plenos pulmões, gritava: “Quebra-queeeiixooooooooo!" E eu enlouquecia pedindo dinheiro à minha mãe a tempo de descer e alcançá-lo antes que sumisse. Bateu uma saudade de quando Brasília era uma cidade do interior.

Sumiu também o vendedor de alho que passava a tarde gritando: “Vai passando o aaaalhoooooo!” E a molecada, brincando debaixo dos blocos, respondia: “Troco pela cabeça do meu *ar@lhooooo!” Lá de longe ele nos envergava o dedo médio e todos riam.

O caminhão de gás ainda passa, mas não grita mais, nem toca interfone. Eles entraram em acordo com a prefeitura para evitar o distúrbio aos moradores. Agora, quem quer gás avisa ao porteiro e ele se encarrega de avisar aos vendedores. Tudo muito discreto e sem gritos.

Cadê essa Brasília interiorana? Foi substituída pela capital dos mais de um milhão de carros. Foi trocada pela cidade violenta, onde a molecada não brinca mais nos pilotis dos prédios das entrequadras do plano. Hoje, restou apenas o carro da pamonha que toca música gospel entre um anúncio e outro de “pamonha de sal com queijo, de doce com queijo, com queijo e linguiça...” Bateu saudades da minha infância. Tudo por conta de um ovo mexido.

*texto originalmente publicado na edição nº 4 da Revista Meia Um

7 comentários:

Ana Helena disse...

Aqui o moço da pamonha ainda passa gritando e puxando o seu isopor "oooolha a pamooonhaaaaa", e o amolador também, com aquele apito... mas é só.
Também sinto saudade da "Brasília de interior"...

Paula Barros disse...

Gosto de ler lembranças. De lembrar das mudanças da minha cidade.

abraço

Diário Virtual disse...

Por aqui é a mesma coisa....

agora essa do "passando o alho" eu nunca ouvi, hahahahahah!

Anônimo disse...

Lá na quadra da minha mãe a moça da pamonha grita: "pamoooooooooooooooonha quentiiiiiiiiiiiiinha, pamooooooooonha quentiiiiiiiiiiinha"

Iêda disse...

Anônimo não, fui EU!!! Iêda

Eliana disse...

Na quadra da minha irmã até hoje passa um cara vestido de palhaço que vende algodão doce gritando "Mina, seus cabelo é da hora!!! EEeeeeoooo eeeeoooo o palhaço é um terror!! Querida, cheguei!!!"

Diego Amorim disse...

E tu nada preocupado com o colesterol do ovo mexido...