Dias atrás escrevi
aqui sobre o que eu achava da história da excomunhão dos médicos que realizaram o aborto e parentes da menina de 9 anos estuprada em Recife.
Mantenho minha opinião e aceito a opinião do Lucas, meu concunhado (existe essa relação de parentesco?), que defende os ideais da igreja. Acho até que o arcebispo foi totalmente coerente dentro do pensamento que ele defende. Mas o que me incomoda é esse pensamento.
Para ilustrar bem o que eu penso, minha irmã querida mandou um texto da Martha Medeiros (excelente escritora!) que segue a mesma linha que eu (na iidéia, não na escrita. Afinal, ela é A Martha Medeiros). Leiam abaixo:
Liberdade individual
Martha Medeiros
Nos últimos dias soubemos que uma menina britânica de dois anos, que nasceu cega em função de uma deficiência rara, recuperou parcialmente a visão depois de um tratamento que utiliza células-tronco retiradas do cordão umbilical e injetadas na corrente sanguínea. O nome da garota é Dakota Clarke e ela já consegue ver cores e o contorno dos objetos a sua volta.
Não por acaso, anteontem Barack Obama autorizou o uso de verbas federais para pesquisas com células-tronco (que estava banido desde 1991 por, ora quem, George Bush). Prevê-se que em breve o Congresso americano suspenderá outra proibição, que é o de gastar dinheiro de impostos para criar embriões.
Obama é um homem religioso, porém não permite que suas crenças impeçam o desenvolvimento científico, que pode beneficiar tantas pessoas, como já beneficiou Dakota. Mas a Igreja não tem a mesma flexibilidade. Considera que utilizar células-tronco de embriões descartados para fertilização é, ainda assim, negar o direito à vida. Pergunto: a vida de quem? De alguém que nunca existirá?
A Igreja Católica não quer e nem deve mudar radicalmente, mas se o seu conceito básico segue sendo o amor, então em nome desse amor deveria haver uma mínima atualização, para que pessoas como eu e talvez você, que fomos criados dentro do catolicismo, não nos sintamos tão distanciados dessa religião que não permite que a sociedade avance, e claro que trago esse assunto à baila motivada também pelo estúpido anúncio da excomunhão dos envolvidos no aborto da menina de 9 anos que foi estuprada pelo padrasto. O arcebispo de Olinda marcou um golaço para o time dos alienados e ignorantes. Por essas e outras, hoje rezo para um Deus particular, sem intermediários, porque não posso compactuar com a obtusidade dos representantes Dele na terra (não todos: no Rio, um padre foi aplaudido de pé durante a missa, por ter se posicionado contra esse caso de excomunhão, provando que é possível vivenciar a fé e manter os neurônios funcionando ao mesmo tempo).
Poucos meses atrás, li o livro Carta a uma nação cristã, de Sam Harris. O autor, numa linguagem muito coloquial, questiona até que ponto essa ilusão coletiva entorpece as mentes e desvirtua uma espiritualidade que deveria ser canalizada apenas para o bem, mas que, ao contrário, provoca guerras e mata, como mataria essa criança pernambucana de 9 anos, caso a gestação fosse levada até o fim.
De qualquer forma, vale a discussão. São esses debates sobre ideias antagônicas que fazem a sociedade evoluir – ou empacar. Só me resta torcer para que um dia possamos chegar perto de uma utopia chamada liberdade individual: quem for contra o aborto ou contra a utilização de células-tronco, que não utilize nenhum desses recursos (sinuca: os médicos devem cruzar os braços diante dos crentes?) E quem for a favor, que usufrua seu direito de agir como acha que deve. Sem interferência política ou religiosa.